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Mulher, mãe, avó e motorista de carreta

Terça, 25 de Julho de 2023
Mulher, mãe, avó e motorista de carreta

Foi na infância, observando o pai Neudir Daltoé (in memoriam), que Ariete Daltoé (44) decidiu que seria motorista de caminhão. Ela conta que olhava o pai pilotar os vários caminhões que teve durante a sua carreira como motorista e se inspirou nele, que faleceu em 2008, aos 58 anos, a escolher pela profissão predominantemente masculinizada e ainda com um número baixo de mulheres na atividade.

Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito, o Brasil tem cerca de 4,39 milhões de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) para veículos pesados, dos quais 97,19% é de motoristas homens e apenas 2,81% são mulheres. E é nesta porcentagem inferior a 3% que está a encantadense Ariete, que, atualmente, dirige uma carreta da marca Iveco Hi-way, avaliada em mais de R$ 1 milhão.

Há cinco meses ela é funcionária da empresa Transportes Caio, de Roca Sales – terceirizada da empresa Turbosul Transportes –, para qual atua no transporte de contêineres para exportação, fazendo, em média, dois mil quilômetros por semana. Sua rota consiste em sair das cidades de Lajeado, Garibaldi, Boa Vista do Sul ou Cruzeiro do Sul até as cidades portuárias de Itapoá e Navegantes, em Santa Catarina, ou Rio Grande, no Sul do Estado. “Vou no porto, baixo um contêiner carregado, coleto um vazio e volto onde tenho que carregar. As rodovias 101 e 116 são nas que mais rodo”, comenta.

Antes disso, Ariete trabalhou dirigindo caminhões graneleiros carregados com rações e, inicialmente, na Empresa Palmas Sul, onde dirigia ônibus e vans com foco no turismo. Aliás, foi na Palmas Sul que Ariete viveu uma de suas mais emocionantes e marcantes histórias como motorista. Ela conta que, certa vez, um grupo se organizou para ir ao Velopark, em Nova Santa Rita, e a escolheu como motorista. “Isso já me deixou muito feliz, por eles terem me escolhido. Porém, o mais legal foi que sobrou lugar na van e tive a oportunidade de levar os meus filhos, a minha nora e o meu netinho junto. Meu netinho amava os ônibus. Foi lindo, divertido e maravilhoso. Consegui reunir toda a minha família para um passeio durante o meu trabalho”, recorda.

Outra situação marcante relatada por Ariete foi em outra viagem a trabalho, quando levou um grupo de turistas ao Trem dos Vales. “A maioria do grupo era de mulheres e levei minha mãe junto. Ela estava toda orgulhosa de mim, por ser a motorista. Só sinto por não ter tido a oportunidade de carregar o meu pai em alguma destas viagens. Mas sei que ele está comigo, aonde eu estiver”, comenta.

Ariete herdou do pai o amor pelo volante e pela estrada. Neudir faleceu há 15 anos, sem poder ver o desempenho da filha atrás do volante. “Ser motorista sempre foi o meu sonho de criança. Meu pai era motorista de caminhão e a única profissão que ele teve na vida foi essa. Lembro de sentar no colo dele, dentro do caminhão, e observar dirigindo. Eu viajava muito com ele e era muito bom. É minha herança genética, o amor de pai para filha pelo caminhão”.

O sonho adiado

Ariete foi mãe aos 18 anos, quando teve o primeiro filho, Henrique (26). Aos 29, foi mãe de Yuri (15). Por isso, precisou adiar o sonho de ser motorista de caminhão. “Fui mãe bastante jovem e essa vontade de ser motorista ficou guardada no coração”.

Paralelamente, ela também iniciou duas faculdades – de Direito e de Ciência e Tecnologia dos Alimentos –, e também o curso de Técnico em Enfermagem. Mas não concluiu nenhum, embora sonha em finalizar o curso técnico devido ao amor pela área da saúde. “Fui agente de saúde concursada da prefeitura de Encantado por sete anos. Depois, morei em Florianópolis, onde trabalhei em um lar de idosos e infantil, alterei a categoria da minha CNH e passei a dirigir ônibus”, conta.

Ariete é avó de Bernardo (3), cujo pequeno a espera no retorno para casa. Quanto à saudade da família, diz amenizar mantendo o contato pelo telefone ou pelas redes sociais. “Todo fim de semana estou em casa, nem que seja somente um dia. Sempre pedimos a Deus por proteção na estrada e eu sou devota de Nossa Senhora Aparecida, minha protetora”.

Minha casa, meu caminhão

A carreta de Ariete é a sua casa. De segunda a sexta-feira (às vezes, de terça-feira a sábado) ela mora dentro do caminhão e para que o ambiente se torne mais aconchegante, a motorista deixa tudo a seu agrado, principalmente na boleia. “Tenho meus ETs no para-brisa, meus adesivos, minhas roupas de cama e quase tudo é na cor rosa. É tudo bem feminino. A carreta é a minha casa de lata e eu moro aqui”.

Ela afirma que ser motorista para uma mulher ainda é uma tarefa difícil, repleta de preconceitos. Contudo, quando o trabalho é feito com amor, tudo se torna menos árduo. “Trabalho com outros 62 contêineres e sou a única mulher motorista em um universo de aproximadamente 100 caminhões. Tenho muitos colegas, mas poucos amigos. Existe, sim, o preconceito, mas isso também é questão cultural e que deve ser mudado. Eu só exijo respeito e não preciso agradar ninguém, apenas o meu patrão, que me confia o seu caminhão, um patrimônio de quase R$ 1 milhão e que paga o meu salário, e a mim mesma. É a minha profissão e sou muito feliz fazendo isso. Abri mão de muitas coisas para seguir esse sonho, mas hoje percebo que valeu a pena, porque ser motorista é a realização de uma vida”.

Quanto às situações constrangedoras, conta ter passado por várias e cita alguns episódios. “Há muitas situações de precisar usar o banheiro para tomar banho e/ou fazer as necessidades fisiológicas e não ter como entrar por estar muito sujo. Eles usam os banheiros e deixam sem condições de uso. Isso sim é uma situação constrangedora, pois nós, mulheres, não temos um banheiro digno para usar. Como se não bastasse, alguns homens usam os banheiros masculino e feminino. Por vezes, não tenho onde tomar um banho e nem escovar os dentes em um local limpo”. E completa: “mas não se trata de uma situação geral, pois na grande maioria dos postos de combustível encontramos banheiros dignos e limpos. Porém, nas empresas, isso é bem diferente”, finaliza a motorista.

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Texto - Carina Marques/Jornal Opinião 
Foto - Divulgação 

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