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Historiador explica o contexto político e econômico que levou à emancipação de Encantado

Sexta, 28 de Março de 2025
A entrevista com o encantadense Marcos Cadore vai ao ar neste sábado (29), às 11h, no programa Panorama 104, na Rádio Encantado FM 104.7.


No dia 31 de março de 2025, o município de Encantado completará 110 anos de emancipação. A trajetória da cidade, desde sua separação administrativa de Lajeado, é marcada por avanços econômicos, disputas políticas e a chegada de imigrantes que moldaram a identidade da região.

Para compreender melhor esse processo, conversamos com o historiador encantadense Marcos César Cadore, autor do livro O Jogo do Poder: Uma análise das relações coronelistas em Encantado (1914 - 1916), obra de 2014, baseada em pesquisas históricas sobre a emancipação do município. Esta entrevista vai ao ar neste sábado (29), às 11h, na Rádio Encantado FM 104.7, no programa Panorama 104.

O movimento pela emancipação de Encantado teve início entre 1913 e 1914, impulsionado por lideranças locais que enxergavam no desmembramento de Lajeado uma oportunidade de crescimento econômico. Segundo Cadore, a obtenção da autonomia municipal não foi um processo isolado, mas esteve atrelada à conjuntura política da época.

"Encantado era o segundo distrito de Lajeado. A separação administrativa ocorreu em um contexto em que o desenvolvimento econômico das localidades impulsionava os processos de emancipação. Esse movimento foi liderado por figuras influentes que viam na criação do município uma forma de fortalecer seus interesses econômicos e políticos", explica.

O historiador destaca que suas pesquisas foram realizadas em Porto Alegre e que sua investigação inicial buscava compreender o alinhamento de Encantado à Revolução Constitucionalista de 1932, quando o município apoiou São Paulo na luta contra o governo de Getúlio Vargas. No entanto, seu orientador, o professor Gunter Axt, ex-secretário da Cultura de Porto Alegre, recomendou que ele voltasse no tempo para entender as raízes desse posicionamento.

"O alinhamento de Encantado na revolução de 1932 está vinculado ao processo de emancipação e às relações políticas estabelecidas desde então", pontua Cadore.

O contexto político e econômico
Durante a Primeira República, o cenário político era dominado pelo Partido Republicano Riograndense, que controlava a administração estadual e municipal. "Vivíamos a chamada 'ditadura científica', quando apenas os esclarecidos, segundo a Constituição de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, administravam as localidades", introduz o autor do livro.

No caso de Encantado, a motivação para a emancipação estava diretamente relacionada à posse e comercialização de terras. "A principal fonte de riqueza naquele período era a terra. Algumas empresas adquiriram grandes porções de terras na região alta do Vale do Taquari e começaram a vendê-las. Com o crescimento populacional e a saturação das colônias italianas em Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Garibaldi, muitas famílias migraram para novas áreas, entre elas Encantado", relata o historiador.

Entre os nomes de destaque, Cadore menciona o coronel João Batista de Mello, intendente de Lajeado na época, que possuía vastas áreas na região onde atualmente se encontram os municípios de Relvado e Putinga. "Ele era chefe local de Lajeado e, ao mesmo tempo, comerciante de terras, o que evidencia a mistura entre interesses públicos e privados", ressalta.

Outro nome influente foi o coronel Leonardo Sefrin, de Soledade, que possuía terras na região de Itapuca. "Ambos tinham interesse na emancipação de Encantado, pois isso aumentaria a demanda por terras e impulsionaria o desenvolvimento econômico local", acrescenta.

A chegada dos imigrantes e a organização econômica
A colonização italiana oficial de Encantado remonta a 1882, quando as primeiras levas de famílias italianas chegaram à região. Entretanto, conforme aponta Cadore, muitos imigrantes já haviam se estabelecido anteriormente, principalmente aqueles vindos das colônias da Serra Gaúcha, principalmente de Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves.

"Esse fluxo populacional contribuiu para a formação de uma base econômica diversificada, com a presença de pequenas indústrias, agricultura e suinocultura", afirma.

Além da presença italiana, Encantado já era uma área de exploração da erva-mate desde o período jesuítico. "Há registros documentais de que grupos guaranis vieram para a região na época dos Sete Povos das Missões para coletar erva-mate e explorar os rios Taquari e Guaporé".

Posteriormente, com o declínio da ocupação missioneira, imigrantes alemães oriundos de Lajeado passaram a atuar na exploração dos portos para o escoamento de produtos.

Outro ponto abordado por Cadore é a presença de posseiros, pessoas que ocupavam terras sem a posse definitiva. "Antes da chegada dos imigrantes italianos, já havia moradores na região por mais de 40 anos. Muitos deles eram descendentes de escravizados ou de populações deslocadas de Taquari e General Câmara, municípios mais antigos que passaram pelo processo de escravidão. Registros fiscais da época mostram sobrenomes que não eram nem italianos nem alemães, evidenciando essa ocupação anterior", explica.

A chegada dos imigrantes italianos gerou conflitos em algumas localidades devido à sobreposição de terras já ocupadas. Uma carta datada de 1914, enviada pelo intendente João Batista de Mello ao então presidente do estado, Borges de Medeiros, revela essa preocupação.

"Na correspondência, Mello se mostra apreensivo com os posseiros e busca um acordo para evitar a retirada dessas pessoas. Em muitos casos, os posseiros permaneceram na região, principalmente em áreas mais afastadas dos lotes demarcados para os imigrantes", relata Cadore.

Preservação da história: um desafio atual
Apesar da rica trajetória de Encantado, a preservação da memória histórica do município ainda enfrenta desafios. Para o historiador, a criação de um Arquivo Histórico municipal seria um passo essencial.

"Há uma legislação municipal desde o início dos anos 2000 prevendo a criação do arquivo, mas pouco foi feito. Documentos importantes estão se deteriorando. Restaurar esses livros e disponibilizá-los ao público, seja por digitalização ou transcrição, é fundamental", enfatiza.

O pesquisador também menciona iniciativas como o projeto "Memória Viva", promovido pela Câmara de Vereadores, que buscava registrar depoimentos sobre a administração local.

"Encantado tem uma história rica e diversificada. Valorizar essa memória e garantir seu acesso às futuras gerações é um compromisso essencial para compreender o passado e projetar o futuro do município", conclui.

Ao completar 110 anos de emancipação, Encantado reafirma sua trajetória de desenvolvimento e desafios. O legado histórico e cultural da cidade segue vivo, impulsionado pela valorização da memória e pelo espírito empreendedor de sua comunidade.

Texto - César Augusto Husak
Foto - Lucas da Rosa

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